Abordagem técnica do médico veterinário em

rebanhos com afecções podais 

(revisão de literatura e relato de caso)


The method to develop a hoof disease control plan in a dairy herd

 

Nunes, P.P1. Moreira, T.F.1 Zambrano, J.A1.  

Carvalho, A.U1. e Facury Filho, E.J1.

 

1 Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Antônio Carlos, 6627, CEP31270-010, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil.

philipe_pimenta@yahoo.com.br


Resumen

El abordaje del médico veterinario para el desarrollo de un plan de control de enfermedades podales en una propiedad, pasa por la determinación de la gravedad del problema, las causas y los factores que interfieren en la ocurrencia de las enfermedades. Por medio del siguiente trabajo describimos como fue realizado el abordaje de una explotación lechera con alto índice de animales claudicando. Fueron examinados los miembros posteriores de 27 animales, fue realizado un escore de locomoción de todo el rebaño e identificación de factores de riesgo del problema. La taza de animales claudicando fue de 70,80%, con mayor número de animales en los lotes de alta y media producción. Fueron observadas altas prevalencias de erosión de talón (92,59%), dermatitis digital (74,07%), dermatitis interdigital (51,85%), hemorragia de suela (59,26%), desgaste excesivo de suela (44,44%) y ulceras de suela (22,22). Las enfermedades de origen infeccioso representaron mayor relevancia en el lote de vacas en la maternidad y las de origen metabólico como consecuencia de laminitis fue de mayor relevancia en el lote de vacas en lactación. Fue recomendado el tratamiento de todas las vacas con una solución de tetraciclina 1%, uso de pediluvio, cura de animales que no respondieron al tratamiento tópico y reducción de los factores predisponentes. La metodología de abordaje permitió identificar el problema, las causas y trazar una estrategia para combatir las enfermedades podales, visando reducir las pérdidas económicas en la propiedad.  

Palabras claves: Claudicación, pezuña, factores predisponentes, examen clínico, lesiones podales.

 

Resumo

A abordagem do médico veterinário para o desenvolvimento de um plano de controle de doenças de casco em uma propriedade passa pela determinação da gravidade do problema, suas causas e dos fatores que interferem na ocorrência das doenças. Descrevemos como foi feito a abordagem de uma fazenda com grande número de animais claudicantes. Foram examinados os membros posteriores de 27 animais, realizou-se o escore de claudicação de todo o rebanho e levantamento dos fatores causadores do problema. A taxa de animais claudicantes foi de 70,80%, sendo as maiores porcentagens nos lotes de vacas de alta e média produção. Foram observadas altas prevalências de erosão de talão (92,59%), dermatite digital (74,07%), dermatite interdigital (51,85%), hemorragias de sola (59,26%), sola plana (44,44%) e úlceras de sola (22,22%). As doenças de caráter infeccioso apresentaram maiores prevalências no lote maternidade enquanto que, as doenças resultantes de quadros de laminite subclínica, apresentaram maiores prevalências nos lotes em lactação. Foi recomendado o tratamento de todos os animais com aspersão de solução de terramicina, uso de pedilúvio, tratamento individual de animais que não curaram com o tratamento tópico e redução dos fatores predisponentes. A metodologia de abordagem permitiu identificar o problema, suas causas e traçar a melhor estratégia para combater a claudicação, reduzindo as perdas econômicas da propriedade.

Palavras-chave: Claudicação, casco, fatores predisponentes, exame clínico, lesões podais.

 

 

Abstract

The method to develop a hoof disease control plan in a dairy herd consists in identification of the severity of the problem, its causes and the factors that influence the occurrence of disease. We describe how the approach was made of a farm with a large number of lame animals. Hindlimbs of 27 animals were examined, was held the lameness score of all the herd and the appraisal of the contributing factors of the problem. The mean herd lameness prevalence was 70.80%, with higher percentages in batches of high and average production cows. We observed high prevalence of heel erosion (92.59%), digital dermatitis (74.07%), interdigital dermatitis (51.85%), soles hemorrhages (59.26%), flat soles (44.44%) and sole ulcers (22.22%). The infectious nature of diseases showed the highest prevalence in the maternity batches, while diseases related with subclinical laminitis, showed the highest prevalence in lactating batches. It was recommended that treatment of animals with terramycin spray solution, use of footbaths, individual treatment of animals which did not heal with the topical treatment and reduction of predisposing factors. The methodology used permitted to identify the problem, its causes and enable to take the best strategy to combat lameness, reducing economic losses from the property.

Keywords: Lamness, hoof, predisposing factors, clinical exam, hoof lesions.

 

Introdução

A claudicação é atualmente um dos maiores entraves à produção tanto na bovinocultura leiteira quanto na de corte, por comprometer a saúde e o bem estar dos animais (Harris et al., 1998). A associação dessa afecção com problemas reprodutivos e mastite compõe os principais problemas e os de maiores impactos econômicos na atividade (Hernandez et al., 2000). As perdas econômicas são resultantes da queda na produtividade, prejuízos ao bem estar animal, redução do desempenho reprodutivo, aumento dos custos relacionados ao tratamento dos animais doentes e descarte involuntário de animais (Sogstad et al., 2006; Sogstad et al., 2007; Booth et al., 2004).

Dentre as perdas econômicas por queda na produtividade, temos como principais fatores a redução na produção leiteira dos animais acometidos, redução do peso e da condição corporal e o aumento da taxa de descarte de animais (Vermunt e Greenough, 1994). Com relação aos problemas reprodutivos, rebanhos acometidos por lesões podais apresentaram aumento na taxa de ocorrência de cistos ovarianos, alterações no ciclo estral, aumento na incidência de metrite, aumento na duração do período de serviço e no período entre o parto e a primeira cobertura quando comparados a rebanhos sem afecções de casco (Shearer e Van Amstel, 1997).

As lesões podais causadoras de claudicação em bovinos ocorrem com mais frequência nas unhas laterais dos membros pélvicos e posteriormente nas unhas mediais dos membros torácicos (Shearer, 1998; Murray et al., 1996).

As afecções podais são resultantes da associação de diversos fatores, que variam desde a genética dos animais até a ocorrência de doenças predisponentes, passando por problemas nutricionais, ambientais, de manejo e principalmente por falhas nos diagnósticos das lesões e intervenções (Ferreira et al., 2005).

A elevação da ocorrência das afecções de casco no Brasil pode ser associada ao melhoramento genético dos rebanhos leiteiros com introdução de raças europeias nos programas de cruzamentos e pelas modificações introduzidas nos sistemas de produção (Ferreira et al., 2005).

O objetivo desse trabalho foi descrever e discutir sobre a abordagem técnica do Médico Veterinário a uma propriedade contendo um rebanho apresentado alta frequência de animais claudicantes, levantando os fatores de risco, estabelecendo a prevalência da afecção, identificando as lesões e traçando a melhor conduta diante do problema na tentativa de reduzir o problema e as perdas econômicas.

 

O casco

Os pés dos bovinos correspondem às extremidades dos membros, estendendo-se do carpo ou tarso até as falanges distais dos dedos (III e IV) que são separados em dígitos mediais e laterais. Internamente, os cascos são formados pela parte distal da falange média, pela falange distal, pelo sesamóide distal ou osso navicular, inserção dos ligamentos dos tendões extensores e flexores profundos, cório, coxins coronariano e digital, dentre outras estruturas. Na parte externa, a área de junção entre a pele e o casco é denominada perióplo, seguido da banda coronariana e da muralha do casco. A muralha é dividida em face dorsal, face axial e face abaxial. A parte inferior de apoio é denominada sola e esta é separada da muralha pela linha branca, a parte mais macia do casco. A parte mais caudal constitui-se no talão (Ferreira et al., 2005; Dyce et al., 2010).

De acordo com a Figura 1, são consideradas medidas ideais de casco de vacas da raça holandesa uma variação de 50° a 55° do ângulo de pinça dos cascos nos membros torácicos e 45° a 50° nos pélvicos; 7,5 cm como comprimento ideal da face dorsal da muralha do casco e 3 a 4 cm para altura do talão (Greenough e Weaver, 1997).

Figura 1 – Conformação do casco de vacas holandesas

Fonte: Grennough e Weaver, 1997.

 

A biomecânica da locomoção

Algumas lesões apresentam maior ocorrência em determinados membros e unhas. Isso ocorre devido a particularidades na distribuição do peso dos bovinos, sendo que alguns dígitos suportam mais peso que outros. Além disso, os membros pélvicos ficam mais expostos à matéria orgânica e umidade que os torácicos (Casagrande, 2010).

Avaliando a distribuição de peso dos bovinos, observa-se que o centro de gravidade dessa espécie localiza-se no tórax, próximo aos membros anteriores. Isso ocorre devido à cabeça e ao pescoço do animal exercer peso a frente dos membros torácicos. Dessa forma, 60% do peso de uma vaca estão distribuídos nos membros anteriores e os 40% restantes sobre os membros posteriores. Do ponto de vista anatômico, os membros torácicos estão inseridos ao corpo por meio de fortes ligamentos e tendões, o que promove um considerável grau de amortecimento do peso sobre os pés. Portanto, estando o animal em estação ou em movimento, os quatro cascos nos membros torácicos suportam quase a mesma quantidade de peso (Toussaint-Raven, 1995).

Os membros posteriores estão inseridos ao corpo do animal por meio da articulação coxofemoral, resultando assim em uma estrutura esquelética rígida, incapaz de absorver grande quantidade de impactos e diminuir os efeitos da variação de peso, principalmente nas unhas laterais desses membros. Além disso, a distribuição do peso sobre as unhas dos membros pélvicos não é uniforme quando este se encontra em locomoção. Em estação, cada casco suporta 25% do peso suportado pelos membros pélvicos. Porém em movimento, o animal desloca 2,5 cm do quadril hora para um lado, hora para o outro. Quando isso ocorre, o membro correspondente ao lado de deslocamento do quadril suporta mais peso (60% do peso suportado pelos membros) que o membro contralateral ao deslocamento (40% do peso suportado pelos membros). O mesmo acontece com as unhas de cada membro pélvico. Caso o deslocamento do quadril seja para o lado direito, o membro posterior direito suportará 60% do peso suportado pelos membros posteriores (40% do peso do animal) e a unha lateral direita suportará 60% do peso suportado pelo membro posterior direito, enquanto a unha medial direita suportará os 40% restante. Já no membro posterior esquerdo, o peso por esse suportado será 40% do peso suportado pelos membros posteriores (40%do peso do animal), a unha lateral esquerda suportará 40% do peso suportado pelo membro posterior esquerdo e a unha medial esquerda os 60% restantes. Quando o deslocamento pélvico ocorrer para a esquerda, ocorrerá a inversão da distribuição do peso entre membros e unhas de forma semelhante à descrita acima (Toussaint-Raven, 1995).

 

Principais lesões podais

Dentre os animais que apresentam claudicação em um rebanho, são observadas mais frequentemente as seguintes lesões:

·      Laminite:

Também conhecida como Pododermatite Asséptica Difusa, é uma inflamação asséptica das camadas dérmicas do interior do casco. Nas formas aguda e subaguda há manifestação de dor nos casco e alteração de postura. Na forma crônica há deformação do casco devido ao crescimento irregular (Vermunt e Greenough, 1994). A forma subclínica não possui sintomas aparentes, mas apresenta alterações hemodinâmicas que prejudicam a oxigenação e nutrição do cório, resultando em um tecido córneo fraco e predisposto ao desgaste, traumatismo e infecções bacterianas (Shearer e Van Amstel, 1997). Como consequência da laminite subclínica temos o aparecimento de lesões como úlcera de sola, doença da linha branca, úlcera de pinça, sola dupla, hemorragias de sola e fissuras na muralha do casco.

·      Úlcera de sola:

É a perda circunscrita de tecido córneo da sola do casco com exposição do cório, levando a dor e claudicação intensa (Hoblet e Weiss, 2001).

·      Doença da linha branca:

É a necrose da linha branca com posterior separação entre a sola e a muralha do casco (Shearer, 1998; Greenough, 2007).

·      Úlcera de pinça:

É proveniente da rotação da terceira falange no interior do casco, resultado de fibras colágenas do aparelho suspensório do dígito mais frouxas com instabilidade da falange (Greenough, 2007).

·      Sola dupla:

Provém da interrupção e posterior restauração da formação do tecido córneo devido a hemorragias na junção derme – epiderme, com separação de sola e o cório, formando uma cavidade (Hoblet e Weiss, 2001)

·      Erosão de talão:

É a perda irregular de tecido córneo do talão devido à ação de proteases de agentes bacterianos (Dichelobacter nodosus). Tais agentes estão presentes em ambientes contaminados e com acúmulo de matéria orgânica e umidade. (Baggott e Russel, 1981; Shearer et al., 1999).

·      Dermatite digital:

Normalmente encontrada nos membros pélvicos, é uma inflamação aguda da epiderme do dígito causada por bactérias do gênero Treponema, ocorrendo no espaço interdigital dorsal ou palmar/plantar entre os talões, levando o animal a claudicar e andar nas pinças do casco. As lesões iniciais são discretas, umedecidas, com perda de pelos, avermelhadas, sensíveis à pressão e que sangram facilmente. Em quadros mais avançados, pode haver a formação de papilas filiformes com superfície granular (Hoblet e Weiss, 2001; Shearer e Van Amstel, 2006; Greenough, 2007).

·      Dermatite interdigital:

É uma inflamação da epiderme do espaço interdigital causada pelo Dichelobacter nodosus, sem comprometimento de tecidos mais profundos. É frequentemente associada à erosão de talão e ambientes sujos e úmidos. (Shearer et al., 1999; Hoblet e Weiss, 2001)

·      Hiperplasia interdigital:

Também chamada de Tiloma, é um crescimento proliferativo da epiderme interdigital resultante da irritação crônica da pele local. O grau de claudicação varia com o tamanho e a intensidade da contaminação secundária, podendo em alguns casos nem afetar a locomoção do animal (Hoblet e Weiss, 2001).

·      Flegmão interdigital:

É uma inflamação aguda e difusa da derme do espaço interdigital causada pelo Fusobacterium necrophorum, caracterizada por hiperemia local, edema difuso, aumento de volume, dor acentuada levando a claudicação. Caso não haja intervenção, pode evoluir para artrite séptica digital (Shearer et al., 1999).

·      Hemorragias de sola;

É o extravasamento de sangue dos vasos resultante de processos inflamatórios no cório, interferindo na hemostasia vascular e fornecimento de nutrientes para os queratinócitos. Tais hemorragias são consideradas sinais de laminite subclínica e parte do processo patológico das úlceras de sola (Hoblet e Weiss, 2001).

·      Fissuras:

São fendas presentes na parede do casco, podendo ser verticais ou horizontais, resultantes da formação de tecido córneo de baixa qualidade (Blowey, 1998a).

 

Abordagem técnica do Médico Veterinário a uma propriedade com problemas de casco – relato de caso

Em julho de 2013, o setor de Clínica de Ruminantes do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias da Escola de Veterinária da UFMG, foi procurado por um produtor rural o qual descreveu possuir uma propriedade situada no município de Igaratinga, interior do estado de Minas Gerais, cujas vacas apresentavam alta frequência de claudicação. Esta propriedade foi então visitada pela equipe do setor para levantamento do problema.

 

1 – Histórico e anamnese

A propriedade possui um rebanho de valor genético elevado, com grau de sangue variando do Holandês Preto e Branco puro, ao ¾ Holandês + ¼ Gir. Possui um total de 400 vacas em lactação, com média de produção de 20 litros/vaca/dia, produzindo diariamente um total de 8.000 litros de leite.

As vacas em lactação são divididas em seis lotes: 2 lotes de primíparas, 1 de vacas de alta produção, 1 de vacas de média produção, 1 de vacas de baixa produção e 1 de vacas com mastite. Existe também outro lote, considerado enfermaria, no qual ficam as vacas acometidas por afecções mais graves, incluído problemas de casco.

Na área de nutrição da propriedade, utiliza-se na dieta total dos animais concentrado, polpa cítrica, silagem de milho e sal mineral. A utilização de concentrado na dieta varia de acordo com a produção leiteira dos animais em cada lote (Tabela 1).

 

Tabela 1 – Dieta dos animais dividida por lote e a proporção de seus constituintes.

LOTE

Concentrado

(Kg/animal/dia)

Polpa Cítrica

(Kg/animal/dia)

Silagem de Milho

(Kg/animal/dia)

TOTAL

(Kg/animal/dia)

Primíparas Alta

10

4

28

42

Primíparas Baixa

8

4

28

40

Vacas Alta

12

5

26

43

Vacas Média

10

4

30

44

Vacas Baixa

6

2

35

43

 

Em relação à reprodução, a propriedade utiliza a tecnologia da Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF) obtendo-se um índice de 4 doses de sêmen/prenhez. As vacas gestantes são secas faltando 60 dias para o parto e são encaminhadas para a maternidade com 30 dias para o parto. No mês de Junho (inverno), a propriedade apresentou um índice de 10% de retenção de placenta (3 casos de retenção em 32 partos ocorridos). Além disso, o rebanho possui 52 vacas secas vazias.

Em relação à evolução de rebanho, a propriedade não repõe totalmente as vacas leiteiras com animais do setor de cria provenientes da própria fazenda, sendo necessária a compra de animais provenientes de outros rebanhos. A taxa de descarte involuntário era alta e, na maioria das vezes, o descarte era realizado devido a problemas de casco. No ano de 2013 até o momento da visita, haviam sido adquiridas 45 novilhas gestantes e cerca de 45 vacas já haviam sido descartadas.

Após a coleta de alguns dados e índices da propriedade, foram desenvolvidas as seguintes atividades:

·      Avaliação dos fatores predisponentes a claudicação (avaliação do ambiente no qual as vacas permanecem e do manejo geral da propriedade);

·      Avaliação dos animais que saiam da ordenha e determinação do escore de claudicação no rebanho;

·      Exame dos cascos para identificação e determinação da prevalência de lesões podais nos membros pélvicos.

·      Reunião com o gerente e o proprietário para discussão do levantamento realizado e das recomendações preliminares.

 

2 – Avaliação dos fatores predisponentes

2.1 – Inspeção do ambiente

Em relação ao ambiente, foi observado que o curral de espera e pós-ordenha apresentava acúmulo de matéria orgânica (fezes). Os corredores de acesso ao curral de ordenha/pistas de alimentação variam de 100 a 200 metros de comprimento entre as instalações, são limpos, de terra batida, abaulados do centro para os cantos e em algum deles apresentando declive considerável perto do curral de ordenha.

Entre as ordenhas, os animais de todos os lotes permanecem nas pistas de alimentação. Somente depois da ordenha da tarde e do trato da tarde, os animais tem acesso aos piquetes para pastejo. Nas pistas de alimentação dos lotes de primíparas de baixa produção, vacas de baixa e média produção foram possíveis observar o acúmulo de matéria orgânica e umidade sobre o piso de concreto. Ao observar o escore de fezes no local, foi determinado que 30% apresentavam-se amolecidas e de coloração verde mais pálido (amareladas). Essa característica das fezes é devido ao alto teor de concentrado na dieta, com aumento da fermentação de carboidratos e maior retenção de água no interior da luz intestinal.

O escore de sujidade dos animais dos lotes de primíparas de baixa produção e vacas de baixa e média produção foi de 4 em uma escala de 1 a 5 (1: vacas limpas, 2: vacas ligeiramente sujas nos pés e parte distal dos membros; 3: vacas moderadamente sujas nos membros e úbere; 4: moderadamente sujas nos membros, úbere, e porções ventro-laterais do abdômen e tórax; 5:vacas intensamente sujas nos membros, úbere, ventre, abdômen e tórax).

O piquete de novilhas de alta produção situa-se em um terreno mais alto que o curral de ordenha, porém esse local é íngreme, possui muitas pedras e acúmulo de matéria orgânica, principalmente ao redor do bebedouro de água. O escore de sujidade dos animais do lote de primíparas de alta produção foi de 2 em uma escala de 1 a 5. Além disso, já era possível observar à inspeção, a presença de dermatite digital em parte dos animais.

O piquete de vacas de alta produção é mais afastado do curral de ordenha. A pista de alimentação também apresentou acúmulo de matéria orgânica e umidade, principalmente no período entre as ordenhas. O escore de sujidade dos animais desse lote foi de 4 em uma escala de 1 a 5.

O piquete maternidade se localiza ao lado e abaixo do curral de ordenha. Apresenta boa dimensão, boa cobertura vegetal, porém não possui nenhum tipo de sombreamento e não há segregação de nulíparas, primíparas e pluríparas. Além disso, os dejetos provenientes do curral de ordenha escorrem tanto pelo piquete de vacas de média produção quanto pelo piquete maternidade. Esse dejeto é rico em matéria orgânica e se acumula no piquete, reduzindo assim a higiene do piquete, mantendo a umidade, além de abrigar diversas larvas de mosca, o que poderá se tornar mais um problema na propriedade. Inspecionando rapidamente o casco das vacas no piquete maternidade, foi observado que pelo menos 50% dos animais apresentavam dermatite digital.

 

2.2 – Nutrição

Na propriedade, as vacas são extremamente desafiadas quanto à dieta, uma vez que a relação concentrado:volumoso é bem elevada, como observado na Tabela 1. O trato é fornecido duas vezes ao dia após as ordenhas. Na alimentação não há introdução de alguma fonte de fibra efetiva além da presente na silagem, dessa forma, a granulometria da dieta é fina, especialmente nos lotes de maior produção.

O cocho de fornecimento de sal mineral para os lotes de primíparas de baixa produção e vacas de baixa e média produção é pequeno e se localiza próximo a uma encosta, a qual os animais têm acesso. Devido a esses fatores, foi observada a ingestão de terra por parcela dos animais de tais lotes.

Como não há segregação de nulíparas, primíparas e pluríparas no lote maternidade, e há uma intensa entrada e saída de animais de tal lote (animais que entram no pré-parto e animais que pariram), observou-se uma pequena variação na condição corporal dos animais (entre 2,75 e 4,00), onde as nulíparas apresentavam escore corporal menor que as primíparas, que por sua vez apresentavam escore corporal menor que as pluríparas. Isso reflete a existência de competição entre os animais por alimento e a deficiência na nutrição de alguns animais, indicando um manejo nutricional inadequado para as diferentes categorias em tal piquete.

 

2.3 – Manejo

Em relação ao manejo, preconiza-se na propriedade a higienização das pistas de alimentação uma vez ao dia, porém devido ao número de funcionários e a quantidade de atividades dos mesmos, tal higienização não ocorre diariamente.

A utilização de pedilúvio passou a ser realizada rotineiramente somente a partir de três meses atrás seguindo o protocolo da Tabela 2.

 

Tabela 2 – Protocolo de utilização do pedilúvio

Segunda Feira

Terça Feira

Quarta Feira

Quinta Feira

Sexta Feira

Sábado

200 l de água + 10 l de formol

200 l de água + 10 kg de zinco

200 l de água + 10 kg de sulfato de cobre

200 l de água + 10 l de formol

200 l de água + 10 kg de zinco

200 l de água + 10 kg de sulfato de cobre

 

Somente as vacas em lactação passam diariamente pelo pedilúvio. Dessa forma as vacas que estavam na maternidade e as secas com mais de 30 dias para o parto não passam pelo pedilúvio, vindo a utilizá-los apenas quando iniciarem a lactação.

 

3 – Determinação do escore de claudicação

Durante e após a ordenha, os animais foram observados em estação e locomoção para determinar a presença de claudicação no rebanho. Os escore de claudicação segue os seguintes parâmetros de acordo com Wells et al., 1993:

 

·      Escore 0: Postura normal com linha de dorso retilínea em estação e em movimento, passos firmes com distribuição correta do peso e apoios;

·      Escore 1: Postura normal em estação e ligeiramente arqueada em locomoção, com apoios normais;

·      Escore 2: Postura arqueada em estação e locomoção, com ligeira alteração dos passos;

·      Escore 3: Postura arqueada em estação e locomoção, com assimetria evidente do apoio, poupando membros, com menor tempo de apoio do(s) membro(s) lesado(s).

·      Escore 4: Incapacidade de apoio ou sustentação do peso do(s) membro(s) lesado(s), com relutância ou recusa para se locomover.

 

Foram considerados claudicantes os animais que apresentavam escore de claudicação de 2 a 4.

A prevalência de claudicação observada no rebanho foi de 70,8%, sendo esse índice maior nos lotes de vacas de alta e média produção.

 

4 – Exames dos cascos dos membros pélvicos para identificação e determinação da prevalência das lesões

Para a avaliação das lesões, foi utilizado um tronco de casqueamento, os cascos foram limpos com água, degermante e escova, a identificação das lesões se deu de acordo com as características de cada lesão. Baseando-se em Mauchle, 2001, após a identificação, as lesões receberam um escore de acordo com sua severidade, variando do grau 1 (leve) ao grau três (grave), como mostra a Tabela 3.

Em cada lote avaliado, realizou-se uma amostragem representativa dos animais para se obter informações que refletissem o real estado das lesões de casco em cada categoria. Após o exame, obtiveram-se as Tabelas 4, 5 e 6.

 

Tabela 3 – Identificação das lesões, sigla usada e escore de severidade.

Lesão

Sigla

Escore de severidade

Erosão de talão

ET

1, 2, e 3

Hemorragia de sola

HS

1, 2, e 3

Sola plana

SP

1, 2, e 3

Sola dupla

SD

1, 2, e 3

Úlcera de sola

US

1, 2, e 3

Úlcera de pinça

UP

1, 2, e 3

Doença da linha branca

DLB

1, 2, e 3

Dermatite digital

DD

1, 2, e 3

Dermatite interdigital

DI

1, 2, e 3

Hiperplasia Interdigital

HI

1, 2, e 3

Flegmão Interdigital

FI

1, 2, e 3

Fissuras de casco

FC

1, 2, e 3

 

Tabela 4 – Exame dos cascos dos membros pélvico esquerdo e direito, unhas laterais, mediais e espaço interdigital dos animais amostrados no lote maternidade.

Lote / ID

Membro Posterior Esquerdo

Membro Posterior Direito

MATERNIDADE

Lateral

Medial

Interdigital

Lateral

Medial

Interdigital

259

ET 3

ET 2

DI 3

ET 2

ET 2

DD 2

DLB 1

 

DD 2

 

 

DI 3

151

 

 

DI 1

 

 

DI 1

GAL NOVILHA

ET 1

 

 

 

 

DD1

263

ET 2

ET 1

DD 2

HS1

US

DD 1

 

 

 

 

ET 2

DI 1

 

 

 

 

HS1

 

189

ET 2

 

DD 2 dorsal

ET 2

ET 2

DD 2 dorsal

 

 

DD 1 plantar

 

 

DD 2 plantar

187

ET 2

ET 2

DI 2

ET 1

ET 1

DI 1

348

 

 

 

 

 

DD 1

 

US

DD 2 dorsal

ET 2

ET 3

DD 2 dorsal

 

 

DD 1 plantar

HS 1

HS 1

DD 1 plantar

60

 

 

DI 3

 

 

 

ET 2

ET 3

DD 2

 

ET 2

DD 1

 

 

DI 2

 

 

 

ET= Erosão de Talão; HS = Hemorragia de sola; SP= Sola Plana; SD= Sola Dupla; US= Úlcera de Sola; UP= Úlcera de Pinçca; DLB= Doença da Linha Branca; DD= Dermatite Digital; DI= Dermatite Interdigital; HI= Hiperplasia Interdigital. 1=Leve; 2= Moderada; 3= Grave.

 

Tabela 5 – Exame dos cascos dos membros pélvico esquerdo e direito, unhas laterais, mediais e espaço interdigital dos animais amostrados no lote de primíparas de baixa produção.

Lote / ID

Membro Posterior Esquerdo

Membro Posterior Direito

PRIMÍPARAS

Lateral

Medial

Interdigital

Lateral

Medial

Interdigital

168

HS 1

SP

DD 3

SP

SP

DD 2

SP

 

 

ET 1

ET1

 

GILDA

ET 1

ET 1

 

ET 1

ET 1

 

SP

SP

 

SP

SP

 

 

 

 

HS 1

 

 

320

SP

SP

DD 2

SP

SP

DD 1

 

 

 

HS 1

ET 1

 

 

 

 

ET1

 

 

560

ET 1

ET 1

DD 2 DORSAL

HS 1

ET 1

DI 1

 

 

DD2 PLANTAR

 

 

 

 

 

DI 1

 

 

 

168

SP

 

DD 2

ET 1

ET 1

DD 2

ET 1

 

DI 1

SP

DLB

 

HS 1

 

 

HS 1

 

 

334

SP

HS 1

DD 1

HS 1

HS 1

DI 1

ET 1

 

DI 1

SP

 

DD1

HS 1

 

 

 

 

 

6

ET 3

ET 3

DD2 PLANTAR

ET 1

US

DI 1

HS 3

 

 

SD

TAMANCO

DD 2

394

SP

SP

 

ET 1

SP

DI 1

 

 

 

SP

 

 

441

ET 2

ET 2

DD 1

ET 2

ET 1

DD 2

SP

SP

DI 1

 

 

DI 1

329

SP

SP

DD 1

SP

SP

 

ET 1

 

 

 

HS1

 

ET= Erosão de Talão; HS = Hemorragia de sola; SP= Sola Plana; SD= Sola Dupla; US= Úlcera de Sola; UP= Úlcera de Pinçca; DLB= Doença da Linha Branca; DD= Dermatite Digital; DI= Dermatite Interdigital; HI= Hiperplasia Interdigital. 1=Leve; 2= Moderada; 3= Grave.

 

Tabela 6 – Exame dos cascos dos membros pélvico esquerdo e direito, unhas laterais, mediais e espaço interdigital dos animais amostrados o lote de vacas de alta produção.

Lote / ID

Membro Posterior Esquerdo

Membro Posterior Direito

ALTA PROD.

Lateral

Medial

Interdigital

Lateral

Medial

Interdigital

176

ET 1

ET1

DD 2

ET 3

US 1

DD 3

HS 1

 

DI 1

SP

 

 

 

 

 

HS 1

 

 

45

ET 3

ET 1

DD 1

ET 3

ET 3

DD 3

HS 3

 

 

SP

 

 

SP

 

 

HS 1

 

 

8

ET 1

ET 1

 

ET 1

ET 1

 

EDNA

HS 1

HS 1

TRAUMA

ET 1

ET 1

TRAUMA

 

 

 

HS 1

HS 1

 

20

SP

HS 1

TRAUMA

DLB 2

 

TRAUMA

HS 1

 

 

HS1

 

 

234

HS 1

US 1

DD 1

ET 2

ET2

DD 3

ET 1

ET 1

DI 1

HS 1

 

DI 1

 

 

TRAUMA

 

 

 

10

US

ET 1

 

ET 3

ET 3

DD 3

ET 1

 

 

 

 

 

548

SP

SP

 

HS 1

ET 1

 

ET 1

ET 1

 

ET 1

 

 

HS 3

 

 

 

 

 

405

ET 3

ET 3

DD 1

ET 1

ET 1

 

 

 

 

HS 1

 

 

ET= Erosão de Talão; HS = Hemorragia de sola; SP= Sola Plana; SD= Sola Dupla; US= Úlcera de Sola; UP= Úlcera de Pinçca; DLB= Doença da Linha Branca; DD= Dermatite Digital; DI= Dermatite Interdigital; HI= Hiperplasia Interdigital. 1=Leve; 2= Moderada; 3= Grave.

 

De posse das Tabelas 4 a 6, calculou-se a prevalência das lesões no rebanho amostrado e nos diferentes lotes amostrados, como mostram os gráficos 1 ao 4.


5 – Diagnóstico da situação

Concluímos que a alta taxa de claudicação do rebanho se deve principalmente a presença de agentes infecciosos causadores de lesões podais (como as dermatites digitais e interdigitais, além da erosão de talão); a quadros subclínicos de laminite (hemorragias de sola e sola plana), possíveis de observar no Gráfico 1, associados a diversos fatores predisponentes como o elevado desafio nutricional, longas distâncias entre o curral de ordenha e as pistas de alimentação, pisos úmidos e abrasivos ou com estruturas traumatizantes (pedras), pouco tempo de uso do pedilúvio e, transição de nulíparas não lactantes para primíparas lactantes.

O elevado percentual de animais apresentando lesões como erosão de talão, dermatite digital e dermatite interdigital é resultado da introdução de agentes causadores de tais lesões no ambiente e a presença de fatores que possibilitam a permanência e proliferação dos mesmos no ambiente e nos animais.

A introdução desses agentes pode ter origem na constante aquisição de animais oriundos de outras propriedades para reposição de rebanho. Muitas vezes os animais adquiridos apresentam lesões iniciais que passam despercebidas no momento da compra e outras que são visualizadas apenas quando se realiza o exame do casco, esse quase nunca realizado antes da compra. A utilização do escore de claudicação é uma excelente ferramenta para avaliar os animais quanto à claudicação, porém não evita a escolha de animais que são portadores dos agentes causadores de lesões de casco.

A constante presença de matéria orgânica (fezes) e umidade no local onde os animas transitam ou permanecem são fatores predisponentes à ocorrência de afecções podais. As fezes no curral de ordenha e pistas de alimentação são reservatórios de agentes causadores de lesões podais e a umidade promove o amolecimento dos cascos. Somado a esses fatores, a presença de pisos de concreto ou trilhas contendo muitas pedras aumentam o risco de ocorrência de infecções podais. Pisos concretados em contato com cascos umedecidos promovem um desgaste muito maior do que se os cascos estivessem secos ou o uso de pisos mais macios. Qualquer fator que possa levar a um trauma é de extrema importância na ocorrência de claudicações, pois promovem a abertura de portas de entrada para microrganismos no casco e, consequentemente, levam a infecção, inflamação, incômodo, dor e claudicação.

A elevada ocorrência de lesões como hemorragias de sola e sola plana e eventuais ocorrências úlceras de sola indicam a ocorrência de laminite subclínica no rebanho, principalmente nos lotes de primíparas de baixa e vacas de alta produção, como observado nos Gráficos 12 e 13. Tais lesões nos lotes indicados provavelmente são decorrentes do elevado teor energéticos da dieta.  A fermentação de carboidratos, a moderada queda do pH de rúmen, e morte de microbiota celulolítica e bactérias gram negativas com liberação de LPS, levam a um quadro de ruminite subclínica com hiperparaqueratose das papilas ruminais, permitindo assim a entrada de microrganismos e toxinas na corrente sanguínea, além de alterar o equilíbrio acido básico do organismo animal. A presença de endotoxinas irá promover alterações hemodinâmicas na circulação do cório do casco, diminuindo a irrigação e nutrição dos queratinócitos e aumentando o extravasamento de líquidos na região do cório (Ferreira et al., 2005). Dessa forma, ocorre interrupção e formação de tecido córneo de baixa qualidade, predisponente a traumas, fissuras, úlceras, infecções, dentre outras lesões.

Foi observado através dos Gráficos 2, 10 e 11, que os animais do lote maternidade, onde se esperaria a menor prevalência de lesões podais, foi o que apresentou maior prevalência de dermatite digital e interdigital, além da erosão de talão também ser elevada. Isto se deve ao fato desse lote estar em um ambiente contaminado e com presença de muita matéria orgânica e umidade (dejeto de ordenha). Além disso, esse lote não faz uso contínuo de pedilúvio como os demais lotes, predispondo ainda mais à ocorrência de tais lesões. Porém as lesões encontradas apresentam-se em estágios iniciais ou moderadamente avançados, como mostra o Gráfico 6, indicando que o problema se inicia neste local ou pouco antes dos animais chegarem à maternidade.

No lote de primíparas de baixa produção (Gráficos 3, 9, 10 e 11), foi possível observar prevalências elevadas de lesões podais de origem infecciosa, principalmente erosão de talão, dermatite digital e dermatite interdigital, porém menores do que as do lote maternidade, excetuando-se a erosão de talão. Isso é explicado pelo fato de que, mesmo em condições de baixa higiene como o lote maternidade, esses animais utilizam o pedilúvio após saírem da ordenha, na tentativa de reduzir a infecção nos cascos e aumentar a qualidade e dureza do tecido córneo do casco. Porém nesse lote, as prevalências de lesões resultantes de laminite subclínica, como hemorragias de sola e sola plana, também se mostraram elevadas. Isso ocorre porque os animais ao iniciarem a lactação, passam de uma dieta pouco energética para uma muito energética. Além disso, os animais que permaneciam em um ambiente mais saudável (pastos da recria) são introduzidos em um ambiente mais sujo, úmido, com pisos mais abrasivos e tendo que locomover longas distâncias durante todo o dia. Ao chegarem à maternidade e mesmo após o parto, as nulíparas são submetidas à hierarquia dos animais mais velhos e mais fortes, não se alimentam e suprem as necessidades minerais adequadamente. Tanto as lesões infecciosas como as lesões decorrentes de laminite estão em estágios iniciais, de menor gravidade (Gráfico 7), indicando que o problema se instala pouco antes do parto, na maternidade, ou mesmo após o parto, com ambiente de baixa higienização e dieta altamente energética. Além disso, as lesões de sola encontradas possivelmente irão ocasionar posteriormente o surgimento de lesões como sola dupla, úlceras de sola e doença da linha branca nos animais.

O lote de vacas de alta produção apresentou prevalências elevadas em relação às lesões decorrentes de laminite subclínica, como visualizado no Gráfico 4. Tais resultados são decorrentes da alta densidade energética da dieta dessa categoria animal e das lesões que possivelmente vinham ocorrendo desde a época em que tais animais ainda eram primíparas.  As lesões de origem infecciosa apresentaram as menores prevalências em relação aos outros lotes (Gráficos 9, 10 e 11), o que pode ser influencia da utilização constante do pedilúvio nos últimos três meses. Todas as lesões apresentaram prevalências elevadas em estágios iniciais e prevalências moderadas em estágios mais graves (Gráfico 8). Isso indica que as lesões se iniciaram logo após o parto, quando entraram em lactação e foram desafiadas com dietas energéticas e ambientes mais sujos por um período de tempo maior, ou que o problema já vem ocorrendo a mais tempo, também na maternidade ou até mesmo da lactação anterior.

 

6 – Conduta Profissional

6.1 – Tratamento dos animais

Como tratamento dos animais foi instituído o seguinte protocolo:

·      Etapa 1: Preparar solução de tetraciclina em pó a 1% e pulverizar nos cascos de todos os animais durante a ordenha por um período de 10 dias;

·      Etapa 2: Utilizar o pedilúvio após a ordenha com solução a base de sulfato de cobre em todas as categorias animais por 20 dias e nos animais da maternidade uma vez a cada dois dias durante 20 dias;

·      Etapa 3: Utilizar o pedilúvio após a ordenha com solução a base de formol em todas as categorias animais por 10 dias e nos animais da maternidade uma vez a cada dois dias durante 10 dias;

·      Etapa 4: Reiniciar o tratamento seguindo as Etapas 2 e 3.

·      Etapa 5: Após todas as aplicações, realizar escore de claudicação, avaliar todos os animais ainda claudicantes, instituir tratamento individual com cirurgia, antibiótico local e bandagem se necessário, e avaliar o casco de uma amostra de 10% de animais não claudicantes.

Tal tratamento visa reduzir a carga infectante de microrganismos causadores de lesões podais com o uso de terramicina e fortalecimento do casco com o uso de pedilúvio contendo soluções a base de sulfato de cobre e formol. Porém é esperada a ocorrência de recidivas, principalmente em relação à dermatite digital. Por isso foi estipulado, após realizar o procedimento por duas vezes, a realização de escore de claudicação e exame e casqueamento dos animais claudicantes.

 

6.2 – Controle dos fatores predisponentes

Após o levantamento dos dados e identificação das principais causas de claudicação no rebanho, foi recomendada a remoção dos principais fatores predisponentes à ocorrência de lesões podais. Recomendou-se a limpeza diária do curral de ordenha e das pistas de alimentação, com remoção da matéria orgânica; limpeza e remoção de pedras na área de descanso do lote de novilhas de alta produção; direcionamento para um tanque de dejetos o escoamento dos dejetos do curral de ordenha que iam para os piquetes dos lotes de vacas de média produção e maternidade, reduzindo assim a matéria orgânica e umidade nos piquetes, além de remover a fonte de proliferação de moscas na propriedade; aumento da área de cocho de sal mineral para evitar competição e permitir melhor mineralização dos animais; reavaliação da dieta dos animais com o objetivo de diminuir o teor energético (concentrado) sem afetar a produção leiteira; e utilização do pedilúvio pelos animais dos lotes de novilhas, vacas secas e maternidade, promovendo maior higienização e saúde para tecido córneo do casco.

 

6.3 – Treinamento do pessoal e monitoramento constante

Após a identificação das lesões mais prevalentes no rebanho e a instituição do tratamento, foi recomendado o treinamento de um ou mais funcionários para avaliar o escore de claudicação do rebanho e examinar o casco dos animais periodicamente, e na ocorrência acentuada de claudicação e afecções de casco no rebanho, solicitar a ação do médico veterinário da propriedade, ou externo, para avaliação dos cascos no intuito de identificar as lesões precocemente e intervir de forma correta para a resolução rápida dos quadros identificados. Além disso, o treinamento incluiria a prática de casqueamento preventivo no momento da secagem dos animais. Dessa forma, a propriedade teria como implantar o monitoramento constante da ocorrência de claudicação, das principais lesões de casco e seus fatores predisponentes, de modo a sempre identificar e corrigir os fatores relacionados a claudicação que interferem negativamente na produção.

 

Considerações Finais

As afecções podais resultam em grandes perdas econômicas tanto na bovinocultura leiteira quanto de corte. Na pecuária leiteira, na maioria das vezes, os problemas de casco só são identificados quando os animais estão praticamente impossibilitados de se locomoverem, com quedas acentuadas na produção e diminuição da eficiência reprodutiva.

Somente quando grande parte do rebanho apresenta claudicação, que o produtor procura auxílio técnico do Médico Veterinário. A abordagem técnica do Médico Veterinário é de extrema importância para identificar e propor soluções para os problemas encontrados em situações como a relatada nesse trabalho.

A abordagem técnica deve seguir a metodologia e disciplina aplicadas a um exame clínico comum, passando pelos seguintes pontos:

·      Histórico e anamnese, com levantamento de dados e índices da propriedade;

·      Inspeção do ambiente, com o levantamento dos fatores predisponentes à ocorrência de lesões de casco e claudicação além da avaliação do manejo geral da propriedade;

·      Exame clínico geral, para avaliação da situação do rebanho, grau ou escore de claudicação e correlação existente entre a clínica e os demais fatores já avaliados;

·      Exame clínico específico, para identificação e determinação das principais lesões podais que acometem o rebanho;

·      Diagnóstico, através da análise conjunta de todas as informações coletadas com determinação do problema específico, da causa e dos fatores predisponentes;

·      Tratamento dos animais acometidos com base no problema diagnosticado, nas informações da propriedade e do conhecimento técnico do médico veterinário;

·      Medidas corretivas e preventivas, no intuito de auxiliar no tratamento e reduzir os fatores de risco e a ocorrência de novas afecções podais;

·      Prognóstico, de acordo com o problema, fatores predisponentes e tratamento e realização de medidas corretivas e preventivas estipulados;

·      Avaliação e monitoramento constante, no intuito de coletar dados sobre os fatores predisponentes, a ocorrência de claudicação e identificação das principais lesões podais que acometem as diferentes categorias do rebanho, auxiliando assim no diagnóstico precoce, tratamento das lesões e correção dos fatores predisponentes.

 

Ao executar corretamente a metodologia técnica de exame em uma propriedade com problemas de casco, a ocorrência de diagnósticos incorretos é quase nula, cabendo ao médico veterinário interpretar corretamente as informações e traçar a melhor conduta terapêutica e profilática na propriedade.

No caso relatado nesse trabalho, foram identificados problemas de claudicação relacionados a doenças infecciosas como dermatite digital, interdigital e erosão de talão, assim como a doenças resultantes de laminite subclínica, apresentada como lesões de hemorragias de sola, sola plana, úlceras de sola, doença da linha branca, dentre outras. Tais afecções apresentaram prevalências elevadas e distintas por categoria animal, devido a uma variedade de fatores predisponentes presentes na propriedade como um todo e nos diferentes lotes do rebanho. Podemos citar como fatores predisponentes à ocorrência de claudicação no rebanho as más condições de higiene das instalações associada a excesso de umidade e pisos abrasivos, elevado teor energético e baixo teor de fibra efetiva na dieta dos animais, o uso recente de pedilúvio e em algumas categorias, dentre outros fatores. A metodologia de abordagem do problema no rebanho foi de fundamental importância para a correta identificação dos fatores predisponentes e das lesões podais, o que permitiu traçar a melhor estratégia para a resolução do problema. A conduta do médico veterinário foi tratar as doenças infecciosas através da antibioticoterapia local e promover melhor formação e resistência de tecido córneo, atuando na higienização dos cascos com o pedilúvio e propondo estratégias para reduzir os fatores predisponentes a claudicação.

 

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